JOGO DE INTERESSES – Tios de candidato favorito para o STF têm ligações financeiras com Malafaia

Itamar Tavares de Mendonça e João Roberto Tavares de Mendonça são tios do terrivelmente evangélico André Mendonça, advogado-geral da União e o provável nome de Jair Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal. Itamar e João Roberto são sócios da empresa Mendonça Pesquisa Mineral LTDA, aberta em 11 de fevereiro de 2019, pouco mais de 1 mês depois da posse do presidente.

Apesar de novata, a Mendonça Pesquisa Mineral já obteve junto à Agência Nacional de Mineração (antigo DNMP) uma dezena de alvarás de pesquisa, dos quais metade para ouro e outros dois para grafita, minério do qual se extrai o grafeno — o “ouro do futuro”, segundo Bolsonaro.

De fato, o grafeno é um material revolucionário, sendo o cristal mais fino e leve conhecido, além de excelente condutor elétrico, com altíssima resistência e impermeável, sendo aplicado na construção civil, em telecomunicações, medicina, eletrônica, entre outros.

Em março de 2019, quando a Mendonça Pesquisa Mineral estava sendo constituída, o presidente da República visitou o Centro de Pesquisas Avançadas em Grafeno, Nanomateriais e Nanotecnologias da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), especializado no material. “Falei com o Pontes, nós temos de encontrar uma maneira de o governo colaborar para pesquisa do grafeno, quem sabe nosso primeiro Prêmio Nobel não venha daí um dia? Eu tenho esperanças que sim”, disse Bolsonaro.

O ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, que integrava a comitiva, ressaltou a necessidade de se criar uma rede de cooperação com alguma startup do setor: “Ela pode desenvolver o conceito, pode ser até que tenha um protótipo, mas ela não consegue escalar o produto por si mesma — porém, conseguiria através desse networking, com oferta de conhecimento, ajuda financeira. Logo, esses centros de tecnologia aplicada têm, principalmente, a função de transformar conhecimento em produtos e na criação de startups. Tudo isso faz parte de uma mudança no Brasil para usar a ciência e tecnologia e alavancar o desenvolvimento econômico e social.”

Um levantamento  feito por O Antagonista revela que a empresa dos tios de André Mendonça obteve naquele mesmo ano a primeira licença de pesquisa de grafita. Um primeiro pedido foi protocolado em 10 de maio de 2019, por João Roberto Mendonça, para pesquisa de “minério de ouro e grafita no município de Juquiá, no Vale do Ribeira. A outorga saiu menos de quatro meses depois, em 2 de setembro.

Onze dias mais tarde, a Mendonça Pesquisa Mineral entrou com novo pedido de alvará de pesquisa para “minério de ouro, areia, caulim, grafita e granito”, em Pedro de Toledo, na mesma região. Após o cumprimento de uma exigência formal, a licença foi publicada pela ANM em julho de 2020. A empresa ainda conseguiu a cessão de outros dois alvarás para pesquisa de ouro, em Miracatu. A transferência de titularidade das licenças foi autorizada pela Agência Nacional de Mineração em apenas 1 mês.

Com um portfólio robusto, a ‘startup’ dos Mendonça atraiu rapidamente a atenção de investidores amigos: Jorge Vacite Neto, advogado do pastor Silas Malafaia, e o pastor Michael Aboud.Malafaia é o mais fervoroso defensor do nome de André Mendonça para o Supremo.

Vacite Neto e Aboud constituíram com os tios de André, em novembro de 2019, uma nova empresa batizada de Palm Miracatu.

No contrato social, obtido pela reportagem, consta também como sócios o grupo árabe Al Nakhla Investimentos e Participações, comandado pelo casal de sírios naturalizados brasilerios Mohamad Al Shekh Hasan e Hala Alsalib, além da empresa Nova Orleans Participações, registrada em nome da pastora Scarlett Gasparetto, sócia de Aboud na Igreja Embaixada do Reino Deus.

No site do grupo Al Nakhla, a Palm Miracatu é apresentada como o “projeto greenfield com o menor custo operacional estimado no Brasil”, diz também que possui uma “forte parceria” com o Mackgraphe, o centro de pesquisas da Mackenzie. O escritório brasileiro do grupo fica num complexo empresarial da Barra da Tijuca, próximo ao condomínio de Bolsonaro.

Não é a primeira vez que o nome de Malafaia surge associado ao mercado de mineração. Em 2016, ele foi alvo da Operação Timóteo, que desbaratou esquema de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo royalties da exploração mineral. De acordo com a Polícia Federal, Malafaia recebeu um cheque de R$ 100 mil de um dos escritórios investigados e o depositou em uma conta pessoal.

O pastor, que chegou a ser conduzido coercitivamente, disse à PF que foi alvo de arbitrariedade, pois o dinheiro seria “uma doação de um empresário” e que “declarou tudo à Receita”“O Michael Aboud, meu amigo há mais de 20 anos, trouxe um membro da igreja dele que é empresário para me dar uma oferta pessoal. Me deu uma oferta de R$ 100 mil, depositada na minha conta, declarada no imposto de renda meu e da minha esposa, porque eu tenho conta conjunta”, afirmou Malafaia na ocasião. O pastor acabou indiciado com outros 49 investigados.

Malafaia, que fala quase diariamente com Bolsonaro, disse a O Antagonista desconhecer o negócio de mineração envolvendo seu advogado, seu amigo e os tios do AGU. Jorge Vacite Neto, por sua vez, afirmou à reportagem que conheceu Itamar e João Roberto de Mendonça “por indicação” do centro de estudos de grafeno da Universidade Mackenzie e só descobriu o parentesco com André Mendonça “depois que já tinha assinado o distrato” do negócio, que, segundo ele, durou apenas seis meses.

Ele disse que esperava investir na exploração de grafeno, “mas o negócio não foi para frente”“Nem chegamos a abrir conta bancária. Assinamos um distrato em junho de 2020.” Mas o documento, firmado em 10 de dezembro de 2020 com data retroativa, nunca foi arquivado na Junta Comercial. Ou seja, formalmente a empresa segue em atividade. Por telefone, Sérgio Novaes, sócio administrador da Mendonça Mineração, disse que não tinha “satisfações para dar” sobre o negócio. André Mendonça não retornou os contatos, mas o espaço permanece aberto.

Itamar Mendonça, sócio e tio de André, afirmou que está “no negócio da grafita” desde 2012 e que seu pai “já falava em grafeno” desde a década de 50. “O Bolsonaro veio saber do grafeno com a gente”. Ele comentou ainda que a parceria com Vacite e Aboud “durou pouco” por causa de um “desentendimento sobre o investimento”, mas mantém a “relação amigável” e que já está em negociação com um “grupo local”. Ele nega que haja “conflito de interesses” pelo fato de seu sobrinho ser integrante do governo.

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