‘FAKE NEWS’: Raquel Dodge manda arquivar inquérito contra o STF aberto por Dias Toffoli

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge , enviou nesta terça-feira ao Supremo Tribunal Federal ( STF ) um ofício mandando arquivar o inquérito aberto para apurar ataques contra a Corte e os ministros. Segundo Dodge, não foi delimitado o alvo da investigação, nem tampouco os alvos das apurações. Mesmo que o ofício dela seja imperativo, cabe apenas ao relator, o ministro Alexandre de Moraes , decidir se arquiva a investigação. Ele não pediu, no entanto, a opinião da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o caso.
O inquérito foi aberto em 14 de março pelo presidente do STF, Dias Toffoli. Ele designou o ministro Alexandre de Moraes para relatar o caso. Normalmente, um inquérito é aberto no tribunal a pedido da PGR. Esse inquérito nasceu de forma diferente, com base em artigo do Regimento Interno da Corte.

No ofício, Dodge explicou que não há sentido um inquérito para investigar ataques ao STF tramitar no próprio tribunal. “Note-se que a competência da Suprema Corte é definida pela Constituição tendo em conta o foro dos investigados e não o foro das vítimas de ato criminoso. Ou seja, a competência do Supremo Tribunal Federal não é definida em função do fato de esta Corte ser eventual vítima de fato criminoso”, escreveu.

De acordo com a PGR, a providência tem como fundamento “o respeito ao devido processo legal e ao sistema penal acusatório estabelecido na Constituição de 1988, segundo o qual o Ministério Público é o titular exclusivo da ação penal, fato que provoca efeitos diretos na forma e na condução da investigação criminal”.

No documento, Raquel Dodge afirma que as medidas de buscas e apreensão e a censura a Revista “Crusoé” e ao site “O Antagonista” foram tomadas sem a atuação do Ministério Público Federal (MPF), titular da ação penal.

Dodge cita como uma das medidas tomadas pelo Supremo sem anuência do MPF, a decisão do relator do inquérito, Alexandre de Moraes, que determinou na segunda-feira que a revista digital “Crusoé ” e o site “O Antagonista” tirassem imediatamente do ar uma reportagem intitulada “O amigo do amigo de meu pai” .

A procuradora também criticou o fato de Toffoli ter designado o relator para o inquérito, sem sortear um nome, como determina a praxe. Ainda segundo ela, a forma como o inquérito foi instruído “ferem o sistema penal acusatório e a Constituição”.

A PGR enfatizou a importância da separação das funções no processo penal, destacando que tem defendido de forma intransigente o modelo adotado na Constituição Federal, por ser uma garantia do indivíduo e da sociedade, essenciais para construir o Estado Democrático de Direito.

“O sistema penal acusatório é uma conquista antiga das principais nações civilizadas, foi adotado no Brasil há apenas trinta anos, em outros países de nossa região há menos tempo e muitos países almejam esta melhoria jurídica. Desta conquista histórica não podemos abrir mão, porque ela fortalece a justiça penal”, pontua em um dos trechos da manifestação.

A decisão de Dodge ocorre no âmbito do inquérito em que o ministro Alexandre de Moraes determinou à Polícia Federal uma operação de busca e apreensão em oito locais nesta terça-feira. Um dos alvos da operação de hoje é o general da reserva Paulo Chagas.

A ordem de busca e apreensão sustenta que há indícios de que os investigados cometeram crimes previstos na Lei de Segurança Nacional ( LSN ), editada em 1983. Os investigados também são suspeitos de cometer crimes de calúnia, injúria e difamação. Nenhum deles tem foro especial no STF, mas estão sob investigação da Corte.

O inquérito no STF ponto a ponto
— Em 14 de março, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, abriu um inquérito para apurar ofensas e notícias falsas consideradas criminosas à Corte e seus integrantes. Entre os alvos, estavam, por exemplo, procuradores da Lava-Jato que postaram vídeos na internet conclamando a população a tomar partido em julgamentos. O inquérito foi aberto por meio de portaria, e não a pedido da PGR, como é a praxe. Apesar de incomum, a situação estava prevista no Regimento Interno do Supremo. A intenção era agilizar investigações, com punições rápidas contra quem ofende o tribunal. A relatoria ficou por conta do ministro Alexandre de Moraes.

— Nos dias seguintes à abertura, o inquérito gerou controvérsia na comunidade jurídica e não foi considerado uma unanimidade nem entre os ministros da própria Corte. A iniciativa, no entanto, recebeu apoio de entidades como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

— Em 19 de março, o senador Alessandro Vieira (PPS-SE) protocolou um requerimento para instaurar a chamada CPI dos Tribunais Superiores . A comissão, que contava com o apoio de 29 parlamentares, teria como objetivo investigar, entre outros temas, a atuação de ministros do Supremo. O pedido estava sendo feito pela segunda vez, após o anterior, em fevereiro, ter sido inviabilizado com a perda de três assinaturas que foram retiradas a pedido de senadores. Àquela altura, o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), já havia dito que era contrário à instalação.

— Em 3 de abril, uma votação do Supremo foi cancelada para que os ministros pudessem realizar uma sessão solene em homenagem à própria Corte . O evento foi marcado às pressas, como uma resposta aos supostos ataques dos quais o tribunal teria se tornado alvo, especialmente em redes sociais.

— Em 12 de abril, a revista “Crusoé” publicou uma reportagem de capa em que Toffoli teria sido mencionado como parte de uma colaboração do empresário Marcelo Odebrecht a pedido dos investigadores da Operação Lava-Jato. A reportagem mostrou o que seria um novo documento juntado aos autos de uma das ações em que se investiga quem seria “o amigo do amigo” do pai de Odebrecht, Emílio Odebrechet, mencionado em e-mails trocados por executivosa da empreiteira da família. A menção ao apelido teria gerado desconfiança na força-tarefa após Marcelo revelar outro codinome citado nas mensagens: “o amigo do meu pai”, referente ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

— A Procuradoria-geral da República informou a reportagem da “Crusoé” que não reconhecia a inclusão do documento com a menção a Toffoli nos autos da Lava-Jato.

— No mesmo dia da publicação, Dias Toffoli oficiou o ministro Alexandre de Moraes para que a reportagem da “Crusoé” fosse incluída no âmbito do inquérito aberto pelo próprio Supremo.

— Dois dias depois, em 15 de abril, Moraes censurou a revista e o site “O Antagonista” , pertencentes ao mesmo grupo, e decidiu que a reportagem deveria ser retirada de circulação sob multa diária de R$ 100 mil. O magistrado também determinou que a Polícia Federal ouvisse os depoimentos dos responsáveis pela produção jornalística no prazo de 72h.

— Um mês após a abertura do inquérito, e com o pano de fundo do episódio de censura, O GLOBO revelou que o caso passou a ser o principal tema de críticas internas destinadas a Toffoli , que se tornou alvo de comentários cada vez mais críticos nos bastidores da Corte. Apesar disso, a reportagem mostrou a firmeza do apoio dos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski à investigação.

— No dia seguinte à decisão de censurar a revista e o portal de notícias, Moraes usou a Lei de Segurança Nacional (LSN), editada durante a ditadura militar, para justificar a expedição de mandados de busca e apreensão relativos a sete pessoas incluídas no inquérito . Na operação relativa à decisão, a Polícia Federal apreendeu o computador do general da reserva Paulo Chagas, candidato ao governo do Distrito Federal em 2018, que havia chamado os ministros de “diminutos fantoches” .

— O vice-presidente Hamilton Mourão foi o primeiro representante do governo a se pronunciar sobre a censura à revista “Crusoé”. Ele disse não ter dúvidas de que o episódio se tratava de censura e de que os responsáveis estavam sendo investigados, uma vez que foram convocados a depor.

— Sem mencionar o Supremo, o presidente Jair Bolsonaro utilizou o Twitter para fazer uma defesa da liberdade de expressão, um “bem inviolável”, de acordo com ele. (O Globo)

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