Fatos estão pouco se lixando para os seus sentimentos

Por : André Luis Jucá de Melo

Fatos estão pouco se lixando para os seus sentimentos –  Ben Shapiro

O conservador é o novo revolucionário e o conservadorismo é a nova contra-cultura –  Paul Joseph Watson 

Essas duas frases não acompanham a realidade de uma minoria barulhenta no Brasil. Para eles, a realidade é relativa e a interpretação dos fatos é condicionada aos autores dos mesmos. É como se houvesse um mundo imaginário e belo, fundamentado de forma complexa, construído sobre ideias puras e louváveis e finalmente incrustado na psique dessa gente. Essa construção imaginária é defendida de forma enfática, e até violenta, diante de qualquer ameaça de destruição, ainda que essa ameaça venha da própria realidade.

A primeira vez que me deparei com esse fenômeno foi durante o escândalo do mensalão. Muitos que cresceram durante o período da ditadura militar construíram uma narrativa de virtude em torno da esquerda e depositaram toda sua esperança no partido dos trabalhadores. Essas pessoas viram seu mundo desabar após o primeiro escândalo de corrupção oriundo daquele que seria o conjunto de ungidos que levaria o Brasil ao paraíso na terra. 

Escutei relatos de amigos que participaram de movimento estudantil do final dos anos 60 e 70 sobre casos de colegas que desenvolveram enfermidades físicas e psicológicas ao constatarem que tudo aquilo que foi construído em suas mentes sobre as virtudes da esquerda era uma ilusão. Como consequência, alguns acordaram para o fato de que aqueles que se diziam puros eram tão sujos quanto aqueles contra quem combatiam. Contudo, alguns outros se recusaram a enxergar e se dispuseram a criar uma realidade alternativa, ainda mais complexa e detalhada, para justificar de forma alternativa aquilo que seus próprios olhos mostravam. 

Vejo uma coisa parecida acontecendo hoje em dia, pouco antes das eleições presidenciais de 2018. Sei que a turma do #elenão não consiste somente dos jovens de 68 cegos pelo PT. A essa turma se juntou um conjunto de jovens politicamente corretos, que fala com propriedade sobre a forma certa de ver o mundo, pregando a diversidade, a coexistência, a tolerância e o respeito ao contraditório, contanto que o contraditório não inclua qualquer opinião contrária à deles mesmos.

O pior de tudo é que eu acredito na honestidade dessas pessoas quanto a convicção de sua visão de mundo. Me fascina a faculdade de manter-se firme dentro de seu filme mental, ainda que os fatos reais teimem em desmenti-los.

Por exemplo, eu acredito que a menina que se mutilou estava realmente apavorada perante a um perigo iminente e desenhou uma suástica invertida em sua barriga para proteger possíveis inocentes da maldade de seus inimigos invisíveis. Quanto ao absurdo completo de acusar por nazista o único candidato a presidente que que visitou, apoia e declara admiração pelo estado de Israel, isso é um detalhe que nem entra no mérito da discussão.

Também acredito na convicção daqueles que dizem combater discurso de ódio enquanto gritam descontroladamente, xingam, cospem e ofendem os “bolsominions”, ainda que eles sejam amigos, pais e tias do WhatsApp – quando não agridem fisicamente – os fascistas que não passarão. O que me impressiona é ver gente genuinamente boa se desligando da capacidade humana de se solidarizar ou sentir piedade diante de uma tentativa de homicídio brutal mostrada em rede nacional, quase em tempo real. Mais impressionante é ouvir de gente próxima e querida comentários sádicos sobre a incompetência de um assassino por não ter conseguido concretizar seu intento. 

O mesmo se aplica às acusações de racismo, misoginia, preconceito e etc: não importa se o melhor amigo, e deputado mais votado do Rio de Janeiro, seja um negro. Não importa se as duas mulheres mais votadas da história do país são apoiadas por ele. Não importa o que se faça para provar com fatos o que a verdade imaginária já decidiu. Ele não porque ele é racista, machista, homofóbico e ponto final.

Antes de ser preso, Lula se auto proclamou uma ideia e não mais uma pessoa. Pois eu acredito que Bolsonaro é quem acabou virando essa ideia esquizofrênica na cabeça de seus detratores. Criam um monstro de sete cabeças e capacidade das mais terríveis barbaridades futuras baseado numa narrativa criada por uma ou outra declaração infeliz sobre qualquer tema. Xingar de vagabunda em resposta a um xingamento de estuprador vira prova inexorável de misoginia. Piada de mau gosto com um homem negro gordo e sedentário é razão para se enviar ao pelotão de fuzilamento por racismo. 

Por outro lado, não há afirmação passível de crítica quando é feita por quem está do lado do bem nesse mundo imaginário e fantástico. Não existe mea culpa diante de xingamento às mulheres, cusparadas no congresso, piadas homofóbicas sobre homens de pelotas, atos de humilhação, arrogância e até violência quando esses atos partem do lado certo. A depender de quem fala, frases como a de uma cantora carioca que diz “Cospe na minha cara, me chama de bandida, me esculacha e mete a porrada me chamando de piranha” passa ser exemplo de dignidade feminista.  

A bem da verdade é que a “mitagem” de Jair Bolsonaro é justamente o fato de ser um cara normal. Um cara que fala besteira quando está puto, que fala piada sem graça e fora de tempo, que se auto proclama não ser a melhor opção e que homens e mulheres comuns reconhecem como alguém familiar e de índole genuinamente boa. 

Contudo, esse mesmo cara “botou o dele na reta” e aceitou de uma forma quase inocente enfrentar todo um projeto de poder macabro e perigoso que comanda repartições públicas, universidades, mídia, classe artística e até crime organizado. Esse voluntarismo patriótico, quase adolescente, quase lhe custou a própria vida, mas por outro lado deixou claro para o brasileiro a gravidade e o perigo daqueles que são contrários a esse movimento de libertação do pensamento totalitário de esquerda. 

Mas não é só isso, além do brasileiro e brasileira comum, o movimento se cercou de voluntários ilustres que enxergam pela primeira vez em décadas a oportunidade de se escrever uma história em papel em branco.

O fato é: a maioria do povo brasileiro pensa da mesma forma e está disposto a dar esse crédito de confiança a Bolsonaro. Essa gente vive no mundo real e entende que ser assaltado num ônibus as 5:30 da manhã enquanto se encaminham para o trabalho é assunto mais crítico do que sentir-se ofendido com o que alguém falou. Falta de trabalho é mais importante do que falta de compreensão sobre os diferentes tipos de gênero e gostos sexuais novos que se inventam a cada dia. O brasileiro comum se sente traído, enganado e ludibriado e teme continuar a passar pela mesma humilhação que vem sofrendo nos últimos anos. Cid Gomes e Mano Brown estão certos: do lado de dentro de sua bolha fantasiosa, a esquerda não escuta o povo. 

A direita se apropriou desse espaço e eu posso imaginar o ódio que sentem aqueles que não conseguem conviver com essa nova realidade. Chego a sentir um rancor esquizofrênico partindo daqueles que se acham mais inteligentes e informados do que essa maioria burra e patética. O irônico é que também vem justamente dos apoiadores de Bolsonaro a atual produção intelectual Brasileira. 

Na prática, o conservadorismo ocupou os espaços de produção intelectual no Brasil. Olavo de Carvalho humilha os pensadores de esquerda que restaram no país, Danilo Gentili aposentou Jô Soares e continua a bater na Globo após sua saída. Lobão e Roger fazem Caetano e Chico parecerem velhos ultrapassados com a cabeça em 68. Isso sem falar em Alexandre Borges, Flávio Morgenstern, Bene Barbosa, Felipe Moura Brasil, Martim Vasques, Filipe Martins, Rodrigo Constantino, Luiz Felipe Pondé, Augusto Nunes, Guilherme Fiuza , os Antagonistas, o movimento MBL, etc.

O conservador é o novo revolucionário e o conservadorismo é a nova contra-cultura.

Escrevo esse texto até meio encabulado. Afinal de contas, apoiar Bolsonaro em público requer um grau elevado de auto-confiança e análise pessoal para se dizer o que se pensa. Sair desse armário é um tanto traumático para quem já escutou de amigos e familiares sobre a falta de moral e a baixeza de caráter daqueles que apoiam o coiso. Quantos anos tive que me esconder na Centro-Esquerda do PSDB porque não era aceitável se declarar de direita? Quantos tempo me vi declarando apoio a Alckmin por ser a decisão à direita mais aceitável pelo status quo? 

Esse peso não carrego mais. Voto no mito cheio de esperança em um Brasil moderno, orgulhoso e sem divisões. Que Deus o abençoe nessa jornada.

Fatos estão pouco se lixando para os seus sentimentos – Facts don’t care about your feelings – Ben Shapiro

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